20080705

balada do homem sólido


brincas com as pedrinhas e fazes muitas perguntas
saltas dos braços da tua mãe e olhas a tua volta, curioso
/ como se a morte não existisse
vais para a escola e começas a esquecer
brincas e jogas futebol nos intervalos
e ensinam-te os ritmos e a submissão tranquila
/ como se a morte não existisse

depois descobres o teu par e começas a passear
esquecido – corres e ris e bebes com os teus amigos
/ como se a morte não existisse
na universidade, ignoras o fim da noite
saltas e cantas e depois estudas na véspera dos exames
/ como se a morte não existisse

depois conquistas o primeiro emprego
já quase não fazes perguntas, continuas a viajar
/ como se a morte não existisse
compras uma casa e começam a viver juntos
esquecido dos jogos e das pedrinhas
por duas noites foges de ti, enganando o dia
levantas os braços e sorris, contas e ouves piadas
/ como se a morte não existisse

depois há um tempo em que tens filhos
cuidas deles e fazes por que aprendam a ser como tu
reais e concretos, sem perguntas, nem dúvidas
/ como se a morte não existisse
chegam os filhos dos teus filhos
continuas a fazer o que se faz para que o tempo flua
sem inquietação, entre festas e trabalhos
/ como se a morte não existisse

depois morres



Carlos César Pacheco, 5 de Julho de 2008, madrugada

8 comentários:

diogohomem disse...

A morte através dos olhos de um pintor...

Retrato inacabado
ao fundo a sala
de perfil uma princesa
faltam duas das cores primárias

o espectro de uma morte
anunciada por um estranhamento
um frio que surge
e leva o sangue da vida

uma pincelada, um corpo
um sorriso mortal...
uma voz que desvanece
e ao fundo da sala
apenas um retrato inacabado.

Pétalas D'Alma disse...

Olá, tenho recebido textos seus em meus mails, quase passou despercebido pois foram direto para Lixo eletrônico, mas agora irá prara caixa de entrada. Adorei os que lí, por isso resolvi visitar seu blog e me deparei com textos mais belos ainda, como esse, "Balada do Homem Sólido". Parabéns!
Tenho alguns textos no recantos das letras, se der faça uma visita, autora Solange Bretas.
Um abraço!

Anónimo disse...

Parabéns César recebi em mensagem, ainda bem que recebi assim pude conhecer mais um mágico das letras. Faço da poesia um hobie não sou poeta, só rabisco alguns momentos nas minhas simples palavras, sensibiliza-me toda a boa poesia como a tua ...

Cecília Rodrigues

www.cecypoemas.com

Rodovalho Zargalheiro disse...

Também recebi este poema por mail e foi uma lufada de ar fresco no meio de tanto spam. Obrigado.

E para quem não estiver a conseguir encontrar aquela palavra... porque não experimentar o Poeta Vadio?

lbfracalossi@yahoo.com.br disse...

Menino, poeta que coisa linda teu blog!
Aqui encantada com tudo o que vi e li.
Balada de um homm sólido... que marvilha! Um retrato da vida. Incabado como disse o Diogohomem em seu coentário... A vida é um retrato inacabado.
Voltarei com certeza!
Beijos

Sabar disse...

adorei este poema ... pertences a um mundo encantado !!! é um sítio giro ! espero mais tertúlias tuas ! beijinho Carla aka uma deusa cósmica em alucinação

bonecadetrapos disse...

Porque o que escreve é de elevada qualidade; porque o aprecio, tomei a liberdade de o publicar, citando, obviamente, no meu espaço, na lateral, como poema da semana.
Venho a fazê-lo com vários poetas, mais ou menos conhecidos.
Desejo não ter sido inconveniente.

Saudações com estima e admiração
*__bonecadetrapos___*

Anónimo disse...

“como se a morte não existisse”... até que existe e nos apanha de rompante.
Brilhante este teu modo de mostrar o fluir do tempo: desde as brincadeiras com “pedrinhas” e as “muitas perguntas”, passando pelo “futebol nos intervalos”, o “passear esquecido”, o ignorar do “fim da noite”, as viagens, e os filhos e netos – que se querem “reais e concretos, sem perguntas, nem dúvidas”.
Destaco dois momentos particularmente curiosos que referes: o de passar das “muitas perguntas” para o “já quase não fazes perguntas”; e o do ignorar o “fim da noite” para o “duas noites foges de ti, enganando o dia” (onde a noite surge, em ambos os casos, como a altura em que se dá a fuga, apesar de surgir, em ambos os casos, por negação dela própria – ignorando o seu “fim”)
“como se a morte não existisse”... porque é necessário “fazer o que se faz para que o tempo flua/sem inquietação”.

Carolina

Palavras nos meus poemas:

A minha foto
[autobiografia]


gosto principalmente de não fazer nada, assim deitado de costas, aguardo que as nuvens formem letras por cima da minha cabeça (cavalos, não! - se formarem cavalos, fico logo irritado, mesmo que chova em seguida); aprecio principalmente os textos ritmados , e se se trata de poesia, o soneto; quanto ao conteúdo, que esconda sob a singeleza aprofundada reflexão; e a música, a composição dos elementos para instrumentos naturais, que seja harmoniosa e com conteúdo formal; em suma, aprecio boa música e boa literatura (nada de modernices); também gosto de melancia.

Nota: todos os textos neste espaço estão registados no IGAC, mas podem ser livremente copiados, desde que me mencionem como autor, tenham o link http://forteondaserena.blogspot.com/ e reproduzam esta nota, sem alterações.
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[biografia]

Não (se ?) sabe se nasceu. Segundo o pai: “nunca há-de ir a lado nenhum”. Não frequentou a escola de Belas-Artes. Frequentou, sem êxito perceptível, a faculdade de ciências. Segundo alguns familiares: “é egoísta e só pensa em si próprio”. ...linguagem... ...conceptual... ...som... (...de que é a forma do espaço agarrado por uma mão aberta...) Em Agosto de 1992, vestiu-se, comprou um jornal, leu diversos anúncios. Segundo o pai: “ainda não sabe o que anda aqui a fazer”. Não conheceu Feldman, Scelsi ou Nono. É quase cego, gastando por isso muito tempo a olhar. Diz frequentemente: «século xx», «trinta e cinco mil anos», «dezasseis mil milhões de anos». Não faz nada.

Não assistiu à conferência “A arte como modo de conhe­cimento” de Jacob Bronowsky nas A. W. Mellon Lectures in Fine Arts em 1969, na National Gallery of Art de Washington D. C.; Segundo o pai, "vai morrer a fome pois não gosta de trabalhar”. Não se sabe onde estava, em Maio de 1833; Apesar de gostar de estar sentado, gosta muito de andar de comboio; “Consciência” — conceito fundamental; Escreve e fala fluentemente português; Em 1997 viu uma árvore; Desenvolveu um sistema que lhe permite estar vivo sem que o pareça; Gosta de estar parado; Não gosta de dormir; Gosta de fazer.
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ao mar

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