20080726

a flor do oeste



I.

a flor-do-oeste veio do lado do mar
e veio com ela o silêncio
veio com ela a distância nostálgica

a flor-do-oeste nasceu no poente
trouxe a esperança e criou o sol nascente

ainda hoje deuses esquecidos louvam
a flor-do-oeste - a flor utópica futura




II.

a flor-do-oeste partiu com o príncipe
e a legião dos homens partiu-se em duas
os antigos artífices da memória
e os adoradores do mistério da luz

esta é a herança da flor-do-oeste




III.

eu era uma serpente
mas uma voz encantadora transformou-me
num homem simples

a voz serena é o que tenho da flor-do-oeste
hoje escrevo este poema
e revejo-a na minha memória




IV.

a flor-do-oeste veio para tranquilizar os homens

eu nasci no verão violento
e hei-de morrer na primavera de luz e sem dor

com a flor-do-oeste aprendi a amar a humanidade
a fornalha transformou-se numa onda doce
quando deixar de ser, vou louvar a flor-do-oeste




V.

a flor-do-oeste não precisou de criar a floresta húmida
criou o oriente - desejado desde tempos sem memória
os homens conheceram a casa da linguagem - a sua
no abrigo das tendas, acordaram rodeados de orvalho

a ocidente, antes do pôr-do-sol, nasceu uma hesitação



Carlos César Pacheco, 2006, Julho, Agosto, Setembro

20080719

sobre a comunicação sem palavras



às vezes é preciso um dedo apontado
para acordar outros dedos

muitos dedos apontados são uma ameaça séria
por isso se faz tanta algazarra
/ à volta dos anéis



Carlos César Pacheco, 7 de Julho de 2008, 23h27


Adenda a comunicação sem palavras, em busca da estabilidade criadora:


a grande interrogação



2.

o mundo não pode ser assim
um lugar inóspito
onde os ricos se perdem na sua riqueza
e a maior parte da população sobrevive alienada
onde impera a injustiça, a sobrevivência

deus não existe
isso é seguro - sei com tranquilidade

o que fazer com a minha vida?
o que fazer com o tempo que me resta?

/ não sei



3.

sou um colaboracionista
/ o grande colaboracionista

os novos instrumentos de libertação
afinal transformam-se em grilhetas
de maior injustiça

auto-estradas da informação
auto-estradas da desigualdade

para que sirvo?
/ um condutor de homens exímio
numa estrada sem sentido

libertação pelo conhecimento?



5.

onde está o movimento livre?
qual o gesto útil?

castelos de areia, mês após mês
soldado do capital
absolutamente perene
/ sem significado

o que é real?



Carlos César Pacheco, 27 de Julho de 2007, 18h00

20080712

silêncio maciço (três haiku)



o que vale a pena é efémero e único
daqui a cem anos
/ quem saberá deste momento?


Carlos César Pacheco, 1 de Dezembro de 2006, 20h43





na base da colina vive um velho à sombra dos álamos
não trabalha nem descansa
/ sorri


Carlos César Pacheco, 1 de Dezembro de 2006, 21h17





a paixão é um raio de sol no amanhecer
/ o amor é o próprio sol


Carlos César Pacheco, 13 de Julho de 2007, 9h08

20080705

balada do homem sólido


brincas com as pedrinhas e fazes muitas perguntas
saltas dos braços da tua mãe e olhas a tua volta, curioso
/ como se a morte não existisse
vais para a escola e começas a esquecer
brincas e jogas futebol nos intervalos
e ensinam-te os ritmos e a submissão tranquila
/ como se a morte não existisse

depois descobres o teu par e começas a passear
esquecido – corres e ris e bebes com os teus amigos
/ como se a morte não existisse
na universidade, ignoras o fim da noite
saltas e cantas e depois estudas na véspera dos exames
/ como se a morte não existisse

depois conquistas o primeiro emprego
já quase não fazes perguntas, continuas a viajar
/ como se a morte não existisse
compras uma casa e começam a viver juntos
esquecido dos jogos e das pedrinhas
por duas noites foges de ti, enganando o dia
levantas os braços e sorris, contas e ouves piadas
/ como se a morte não existisse

depois há um tempo em que tens filhos
cuidas deles e fazes por que aprendam a ser como tu
reais e concretos, sem perguntas, nem dúvidas
/ como se a morte não existisse
chegam os filhos dos teus filhos
continuas a fazer o que se faz para que o tempo flua
sem inquietação, entre festas e trabalhos
/ como se a morte não existisse

depois morres



Carlos César Pacheco, 5 de Julho de 2008, madrugada

Palavras nos meus poemas:

A minha foto
[autobiografia]


gosto principalmente de não fazer nada, assim deitado de costas, aguardo que as nuvens formem letras por cima da minha cabeça (cavalos, não! - se formarem cavalos, fico logo irritado, mesmo que chova em seguida); aprecio principalmente os textos ritmados , e se se trata de poesia, o soneto; quanto ao conteúdo, que esconda sob a singeleza aprofundada reflexão; e a música, a composição dos elementos para instrumentos naturais, que seja harmoniosa e com conteúdo formal; em suma, aprecio boa música e boa literatura (nada de modernices); também gosto de melancia.

Nota: todos os textos neste espaço estão registados no IGAC, mas podem ser livremente copiados, desde que me mencionem como autor, tenham o link http://forteondaserena.blogspot.com/ e reproduzam esta nota, sem alterações.
.
[biografia]

Não (se ?) sabe se nasceu. Segundo o pai: “nunca há-de ir a lado nenhum”. Não frequentou a escola de Belas-Artes. Frequentou, sem êxito perceptível, a faculdade de ciências. Segundo alguns familiares: “é egoísta e só pensa em si próprio”. ...linguagem... ...conceptual... ...som... (...de que é a forma do espaço agarrado por uma mão aberta...) Em Agosto de 1992, vestiu-se, comprou um jornal, leu diversos anúncios. Segundo o pai: “ainda não sabe o que anda aqui a fazer”. Não conheceu Feldman, Scelsi ou Nono. É quase cego, gastando por isso muito tempo a olhar. Diz frequentemente: «século xx», «trinta e cinco mil anos», «dezasseis mil milhões de anos». Não faz nada.

Não assistiu à conferência “A arte como modo de conhe­cimento” de Jacob Bronowsky nas A. W. Mellon Lectures in Fine Arts em 1969, na National Gallery of Art de Washington D. C.; Segundo o pai, "vai morrer a fome pois não gosta de trabalhar”. Não se sabe onde estava, em Maio de 1833; Apesar de gostar de estar sentado, gosta muito de andar de comboio; “Consciência” — conceito fundamental; Escreve e fala fluentemente português; Em 1997 viu uma árvore; Desenvolveu um sistema que lhe permite estar vivo sem que o pareça; Gosta de estar parado; Não gosta de dormir; Gosta de fazer.
.

ao mar

Subscreva a newsletter e receba no seu mail um poema novo, em cada semana.
Email:
Visit this group

ou o silêncio